Invertendo A Pirâmide


As novas teorias e técnicas vigentes nas consultorias e organizações, relegaram a segundo plano ou mesmo nem mais consideram a tese do Abraham Maslow, psicólogo humanista, um dos pioneiros na formulação dos princípios da Psicologia Transpessoal, que analisou as necessidades humanas e revisou a teoria dos instintos, apresentando, em seu livro Motivation and Personality (1968), a tese da hierarquia das necessidades humanas , desdobradas em cinco níveis: fisiológicas(ou básicas), de segurança, sociais, de estima e de auto-realização, determinando as três primeiras como primárias e as outras como secundárias.
Já não se vê mais ninguém fazendo uma apresentação sofisticada em PowerPoint ou flash ou mesmo citando essa teoria em programas internos nas áreas de transformação humana (continuo me recusando a chamar os humanos de
“recursos”...). É como se isso não existisse mais, ou fosse “politicamente incorreto”, superado.
Recentemente, fui solicitado a contribuir com uma Ong que trabalha com jovens carentes, com uma palestra voltada para as questões de comportamento. Ao explorar as condições vigentes e motivadoras dos jovens, pude remeter-me e fazer uma viagem no tempo, com a pirâmide das necessidades humanas.
Lembrei muito de um Diretor que certo dia me fez um inusitado convite: “Vou dispensar o meu motorista e quero combinar com você para visitarmos alguns locais onde moram alguns dos nossos funcionários com a menor renda salarial. Vamos ver as condições da rua, esgotos etc”. Isso era algo que o meu pai se preocupava sempre, dizia ele. Até hoje eu tenho contato e relacionamento de amizade com essa figura humana por quem nutro uma grande admiração.
Voltando ao contato com o pessoal da Ong, eu questionei: Como faremos uma palestra sobre comportamento, auto-estima e relacionamentos interpessoais, se você está me dizendo que alguns deles deixam de ir ao trabalho por falta de dinheiro para as passagens de ônibus?
A reflexão ora trazida é: As condições básicas (fisiológicas) estão atendidas? “Você tem fome de que?”, diz a letra de uma música... Se você tem fome de comida, de necessidades básicas as outras etapas vão aguardar...
A pirâmide do Maslow está muito viva... Aceito qualquer argumento do “segundo andar” da pirâmide em diante – o mundo mudou e segurança não existe mais nem no aquário (empresas) nem no oceano(mundo do trabalho), mas no primeiro piso da pirâmide, não tem acordo. Como exigir envolvimento, comprometimento, se as necessidades básicas ainda não foram atendidas? Essa reflexão não está restrita apenas às paredes das organizações ou aos lares – ela é do país e do mundo. Como fazer “inserção digital” – sem fazer inclusão social, sem superar os limites das necessidades básicas?
Confesso a dificuldade em escrever esse artigo, no momento delicado por que passa o Brasil - um país rico, onde os recursos transbordam das malas e cuecas, perdendo o rumo da pirâmide e desembocando talvez numa lama a céu aberto, que era a preocupação do meu amigo Diretor...
Na verdade, e a verdade é tudo, consigo ter agora a resposta, a uma pergunta que sempre nos fazemos: Para onde vai o dinheiro dos impostos que recolhemos se não estão na saúde, na educação, na segurança, numa melhor distribuição de renda?
A PIRÂMIDE INVERTIDA
As sociedades mais ricas mostram que os aspectos acima (saúde, educação, segurança) fazem parte da relação de equilíbrio saudável nas relações humanas. Por sociedades, entenda-se todo tipo de agrupamento de pessoas – dos lares que não mantém relações escravas com seus empregados, das empresas idem (não adianta trocar apenas o rótulo de funcionários por “colaboradores”) do país que cumpra a sua função social.
Inclusão é a palavra chave. Deixar de fora é ter que fechar os vidros dos carros (ou blindá-los – as crianças vão crescer...), colocar grades nas janelas e viver trancafiado.
Sociedades ricas inverteram a pirâmide.
Mais pessoas buscando auto-realização, significa menos pessoas com necessidades básicas e por aí vai...
Recentemente, o jornal A Tarde, publicou uma entrevista com Roberto Carlos Ramos, pedagogo com mestrado e especialização em literatura infantil. Trata-se de um ex-interno da Febem, que fugiu da instituição 132 vezes e que trocou a marginalidade pelo magistério. Atualmente, ganha a vida fazendo palestras para empresas e foi considerado em 2001 um dos dez maiores contadores de histórias do planeta, num evento com mais de 4 mil concorrentes em Seatle (EUA).
Ele foi acolhido pela francesa Marguerit Duvas. “Essa francesa me levou para a casa dela para gravar uma entrevista. Queria fazer uma denúncia internacional de maus-tratos. O que era para ser uma semana de convivência virou sete anos”.
Conta que certo dia ele inundou a casa dela, de propósito, e arrumou as suas coisas para ir embora. E diz, ainda: “Eu pensei que ela ia me bater. Só que ela me deu um abraço, começou a chorar, e perguntou o que precisava fazer para provar que me amava. Aí quem chorou fui eu”.
Hoje, ele é quem adota 13 crianças de rua e lançou o livro ”A arte de construir cidadãos – as 15 lições da pedagogia do amor”.
Veja, outro trecho da entrevista: “A pessoa só consegue doar alguma coisa quando ela está cheia. Ela só doa aquilo que transborda nela. Então se ela é uma pessoa que reclama e chora o tempo todo, ela vai passar isso para os outros. Mas se uma pessoa acredita que pode fazer alguma coisa, está cheia de amor, também vai passar isso.
... Fico triste quando vejo os governos gastando milhões para construir novos presídios. Construa 20 novas escolas, que vão abrigar o mesmo número de presos. “A partir do momento que não tivermos vagas em presídios e tivermos em escolas, vamos perceber que os presídios são desnecessários, porque as pessoas vão estar educadas”.
Pode ser que para a minha geração tudo isso soe apenas como poesia, mas como poeta eu termino com um verso de um grande poeta, Milton Nascimento:
“Se o poeta é o que sonha, o que vai ser real bom sonhar coisas boas que o homem faz e esperar pelos frutos no quintal”.
E de preferência, repartindo os frutos do quintal...
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Sobre o Autor:

Antonio Amorim é Consultor Associado à Marcondes & Consultores Associados (SP). Atualmente é Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos- ABRH-BA e Diretor da Universidade Internacional da Paz- UNIPAZ- BA, e possui 08 livros publicados, entre poesias, contos e artigos voltados para a área de consultoria.

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